Arquivo do mês: janeiro 2011

A aplicação das leis, o anonimato e o controle da Internet

O texto abaixo é uma tentativa de deixar mais impessoal o debate trazido por um post  no Blog do Tsavkko.

Alguns questionamentos do Eduardo Guimarães foram deixados para servirem como base de argumentação, mas o tom não é mais de um comentário em blog.

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Um grande problema que, infelizmente, encontramos mesmo na blogosfera que parecia estar a par da luta pela liberdade na rede, é a ignorância sobre questões básicas do mero funcionamento da internet e, como consequência, as opiniões que acabam por desinformar o leitor desavisado.

Desinformação e Marco Civil

São dezenas, quiçá centenas de especialistas e entusiastas na área da liberdade na rede, no combate ao AI5Digital (Lei Azeredo) e que estão sempre dispostos a ouvir, conversar e tirar dúvidas. Textos sobre o assunto são milhares, dos mais aos menos didáticos. Estes caras SABEM do que estão falando.

A Lei Azeredo é um câncer e não se salva uma linha. Não se defende nem que de passagem. Comparar quem luta contra a censura com o papo das grandes empresas de comunicação, que defendem nenhuma regulamentação no setor não é só leviano, chega a ser criminoso. E é totalmente mentiroso!

Colocar dúvidas tolas nas cabeças dos leitores é dar argumentos para a vigilância!

O ponto principal para desmontar o argumento da total desregulamentação é que nós, ativistas, defendemos o Marco Civil da Internet.

É a proposta dos ciberativistas de propor uma forma de regular melhor as relações na internet. Mas feita por quem conhece, para garantir a liberdade de todos e não o direito do Estado nos vigiar e controlar e de empresas fazerem o que bem quiser.

Legislação Específica e Estados Controladores

Ao longo do texto foram selecionados trechos de artigo escrito por Eduardo Guimarães, sempre em itálico, que colocam questões que merecem ser discutidas e desmistificadas.

“Como tornar a internet mais segura, coibindo pregações nazistas contra negros e homossexuais ou proposições de linchamento moral e até físico contra pessoas, que podem despertar loucuras latentes, sem retirar o que tem de melhor na rede, a liberdade de expressão?”

Oras, aplicando as leis que já existem, que condenam o racismo, a incitação do ódio… Não precisamos de leis específicas para a rede, compreenda, as leis que punem estes crimes já existem! No máximo estamos falando de adequações ou de ampliações do que existe, em caso da aplicação realmente ser prejudicada.

O grande problema é que o poder público – o judiciário em particular – é absolutamente ignorante no que concerne a internet. Porque achas que os Estados tem tanto medo da internet? Porque não a entendem! Não compreendem sua lógica. O medo vem da ignorância!

E, claro, além da ignorância, vem daquela vontade totalitária dos Estados de controlar tudo. A mídia, nosso querido e afamado PIG já compreendeu que, nesta internet há problemas! Somos livres para falar mal deles, para nos expressar, e isto quebra a sua lógica unidimensional de provedores de informação e formadores de opinião. E o Estado vai na onda.

Nenhuma Lei, Marco Civil e os Crimes de Ódio

“A militância contra o controle sobre a internet não admite lei específica nenhuma.”

Não é verdade e fruto de total desconhecimento da militância que atua na área.

Nós, militantes, estamos construindo o Marco Civil da Internet, uma tentativa de propor regras claras, mas feita por quem entende do assunto e não por Azeredos ou Mercadantes, que ainda devem ler e-mails impressos por suas secretárias.

“Por outro lado, neonazistas montam perfis em redes sociais e vão crescendo aos milhares de seguidores com pregações racistas, xenofóbicas e homofóbicas; mulheres são difamadas por companheiros frustrados; crianças são aliciadas por pedófilos; golpes múltiplos são aplicados.”

Neonazis andam pelas ruas, fascistas espancam gays na paulista, mulheres são violentadas em casa pelos companheiros…  E existem leis pra coibir tudo isso! Se são aplicadas, são outros 500. Mas é mais fácil dizer que a culpa está na rede, que o crime está na rede. Basta censurar, vigiar e, talvez, punir.

O que interessa aos vigilantes, porém, não é acabar com os crimes, pois se quisessem já teriam tomado ações enérgicas e efetivas na vida “real”. Porque não punem com rigor maridos abusivos? Porque não caçam neonazistas? Porque não vão atrás dos neofascistas – ops, estes escrevem na Folha todo dia! – ou proíbem e punem a homofobia (PL 122)?

Oras, porque o interesse real NÃO é punir estes e outros crimes! A intenção é pura e unicamente lançar seus controles à um ambiente que, por princípio, é livre. Na internet a Folha não é voz única, a vontade do Deputado ladrão não é única – e ele pode até ser denunciado… ANONIMAMENTE!

Criar leis específicas para a rede não vai mudar alguma coisa. Nós não aplicamos nem as leis que já temos para situações “reais”!

Não faz diferença se a Mayara Petruso xingou nordestinos no Twitter ou na esquina da rua, o crime é o mesmo e a punição pode e deve ser a mesma. Sem lei para a internet, Edu!

Tratar a internet como alienígena e não como uma extensão de nossos corpos é um erro primário. Assim como o telefone, a internet propicia contatos, laços. Claro, a internet aproxima mais, facilita mais, mas não difere da nossa vida “normal”, é dela uma extensão, uma continuidade. É preciso, porém, compreender isto.
Novamente, as leis….

“Se o crescimento dos crimes for menor do que o da inclusão digital haverá apenas que dotar de maiores recursos as instâncias policiais e judiciais existentes. Do contrário, haverá, sim, que discutir leis que possibilitem identificar pedófilos, neonazistas, golpistas e difamadores mais facilmente.”

Estas leis existem. Se há suspeita de que um perfil contém imagens ilegais basta a justiça pedir um mandado a um juiz e entregar à empresa, que abrirá os dados. Mas lembre-se, o crime não acontece na internet. Pode-se até aliciar via rede, mas o crime, o abuso, não acontece na rede, que funciona como um telefone no contato entre aliciador e vítima.

Um moleque de 15 anos, hacker, consegue fazer um trabalho de rastreamento de dar inveja, e sem a necessidade de invadir a privacidade de milhões sob a desculpa de estar defendendo os fracos e oprimidos.

Escrevi EXATAMENTE sobre isto ha uns dias, tentando ser mais didático sobre a pedofilia e a internet, desmistificando diversas falácias sobre o caso: http://tsavkko.blogspot.com/2011/01/o-ai5digital-analogia-das-leis-e.html

Precisamos urgentemente desmistificar as verdades (sic) construídas pelo Estado para legitimar a vigilância.

Paixão e Anonimato, o discurso vazio


“Entendo, porém, os militantes da causa da liberdade na rede. Não os culpo pela paixão, pois sou apaixonado por minhas causas.”

Não se trata de “paixão”, mas de COMPREENDER a rede.

“Visando o aprofundamento nessa questão, ao fim desta semana participarei de uma reunião com militantes da causa do anonimato na rede. Em seguida, participarei de encontro com defensores da sua maior normatização.”

Isto é uma deturpação da causa. Não somos defensores do anonimato na rede. Ponto, é isto. Não, não defendemos o anonimato, defendemos a liberdade.

Aliás, é preciso compreender a função do anonimato em si. Pensemos no blogueiro que, ameaçado, posta anonimamente sobre crimes em sua região. Ou pensemos no ativista que não pode se identificar, na pessoa que poderia sofrer seja nas mãos da família, de bandidos, no emprego e etc se revelasse seu nome.

O anonimato, aliás, é parte da vida. O trote telefônico que você recebe é anônimo, mas da mesma forma o disque-denúncia e anônimo. O anonimato também serve para defender-se, para defender vidas.

O anonimato para os cidadãos comuns é bem difícil, com ordem judicial você rastreia IP, o endereço do PC da pessoa, que deixa traços… Claro, isto apenas com mandado judicial, entrementes sua privacidade é garantida. Um expert consegue passar despercebido, mas aí não tem lei que o segure.

Uma lei específica não irá evitar crime algum, irá apenas punir coletivamente. As propostas que existem para cadastros e etc significariam, em comparação, a necessidade de digitar o CPF cada vez que eu fizesse uma ligação telefônica. É possível compreender o absurdo? É criminalizar o mero ato de se usar o telefone – ou a internet. Ou pressupor o crime sem ele ter acontecido.

O anonimato, em geral, é uma proteção, evita que você seja identificado por alguém mal intencionado, rastreado, perseguido. Fakes que cometem crimes, uma vez rastreados, são processados (os responsáveis).

Não se trata, enfim, de defender o anonimato, mas de compreender usa função, limites e usos.

Combustível e fuga da discussão

“Não se pode aceitar o argumento de que propor tal discussão significa “fornecer combustível” para um dos lados. É um argumento antidemocrático que vem sendo usado pela grande mídia para se apropriar de concessões públicas e agir como partido político.”

Defender a Lei Azeredo, mesmo que sua discussão é defender a censura.Podemos e devemos discutir o Marco Civil da Internet, discutir meios de democratizar o acesso à internet – PNBL sendo um deles -, meios de fazer o grosso da população aprender a utilizar corretamente seu computador e a ter um acesso seguro à rede.

Da mesma forma que uma criança precisa ser ensinada a andar na rua, a não falar com estranhos, a não entrar em lugares perigosos e etc, alguém que acaba de chegar à rede precisa igualmente ser ensinado a percorrer caminhos seguros e a não ser enganado.

Não difere da vida “real”.

E tenhamos sempre em mente: Quanto mais livre a internet, mais livre pode ser o povo.

Post original

Google não é responsável por ofensas nos Orkut, diz STJ

Publicado em

Finalmente a justiça brasileira dá uma dentro em termos de Internet! O STJ manteve uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negando indenização requerida por I. P. da S. B. contra a Google Brasil. Trechos da decisão:

Não obstante a indiscutível existência de relação de consumo no serviço prestado por intermédio do ORKUT, a responsabilidade do GOOGLE deve ficar restrita à natureza da atividade por ele desenvolvida naquele site, que, a partir do quanto visto linhas acima, corresponde à típica provedoria de conteúdo, disponibilizando na rede as informações encaminhadas por seus usuários.

Nesse aspecto, o serviço do GOOGLE deve garantir o sigilo, a segurança e a inviolabilidade dos dados cadastrais de seus usuários, bem como o funcionamento e a manutenção das páginas na internet que contenham as contas individuais e as comunidades desses usuários.

(…)

Em outras palavras, exigir dos provedores de conteúdo o monitoramento das informações que veiculam traria enorme retrocesso ao mundo virtual, a ponto de inviabilizar serviços que hoje estão amplamente difundidos no cotidiano de milhares de pessoas. A medida, portanto, teria impacto social e tecnológico extremamente negativo.

Mas, mesmo que, ad argumentandum , fosse possível vigiar a conduta dos usuários sem descaracterizar o serviço prestado pelo provedor, haveria de se transporoutro problema, de repercussões ainda maiores, consistente na definição dos critérios que autorizariam o veto ou o descarte de determinada informação. Ante à subjetividade que cerca o dano moral, seria impossível delimitar parâmetros de que pudessem se valer os provedores para definir se uma mensagem ou imagem é potencialmente ofensiva. Por outro lado, seria temerário delegar o juízo de discricionariedade sobre o conteúdo dessas informações aos provedores.

Por todos esses motivos, não vejo como obrigar do GOOGLE a realizar a prévia fiscalização do conteúdo das informações que circulam no ORKUT.

(…)

Ainda que não exija os dados pessoais dos usuários do ORKUT, o GOOGLE mantém um meio razoavelmente eficiente de rastreamento desses usuários, medida de segurança que corresponde à diligência média esperada de um provedor de conteúdo.Portanto, não se vislumbra responsabilidade do GOOGLE pela veiculação das mensagens cujo conteúdo a recorrente considerou ofensivo à sua moral.

O processo está sob o número REsp 1193764.

Petição pela liberdade de expressão e o direito à informação, contra a perseguição ao Wikileaks, ao Falha de S.Paulo e ao CMI

Petição resultado do Ato pró-WikiLeaks, Falha e CMI promovido por diversas entidades em dezembro de 2010.

To:  Governos e empresas violadores da liberdade de expressão na rede
A internet traz um enorme benefício para a liberdade de expressão e articulação de uma sociedade civil transnacional, mas essa facilidade de compartilhamento de conhecimento, bens culturais e opiniões tem incomodado setores conservadores. Quando a liberdade provoca as instituições e os podres poderes, ela passa a ser tratada como um valor menor e os incomodados, em vez de se mudar, ficam e deixam evidente sua natureza arcaica e violenta.

Forja-se uma aliança contra o anonimato e a circulação livre de informação. Azeredo, Hadopi, Zapatero x Wikileaks. Temos o direito de acessar o entendimento dos governos sobre o que somos e o que fazemos. De conhecer a visão dos operadores do império que filtram e dirigem a ação do mais poderoso governo do planeta e também de seus satélites informacionais na Europa, na América, na Ásia, na Oceania, na África.
Nenhuma informação divulgada pelo Wikileaks estava em segredo de justiça nem afeta cidadãos comuns nem representa crime contra a honra. Todas elas estariam disponíveis a qualquer cidadão dos Estados Unidos pelo “Freedom of Information Act”.

Mas o caráter revolucionário da verdade inquieta os que não se beneficiam dela. O que jamais foi dito nem nunca deveria ser exibido está na nossa mão, em servidores espelhados e espalhados, que já não poderão tomar. A liberdade, a transparência e a democracia, então, equilibram-se na corda bamba. Na Suécia, acusações de crimes são usadas para tentar calar Julian Assange. Nos Estados Unidos, o governo busca um crime pelo qual acusá-lo e ameaça: ler ou comentar os documentos vazados pelo Wikileaks são motivos para cidadãos não conseguirem empregos no governo federal. Na França, Sarkozy persegue jovens que compartilham arquivos digitais e trocam bens culturais sem pedir licença.
No Brasil, a mesma Folha de S. Paulo que exalta a liberdade e tem acesso pleno aos documentos sigilosos da diplomacia norte-americana sobre o Brasil mantém um processo contra o FALHA de S.Paulo, um site de paródia à Folha de S.Paulo que tinha fotomontagens, críticas rápidas e bem-humoradas ao noticiário deles. O jornal processou os dois cidadãos que mantinham voluntariamente o site por “uso indevido da marca” e pede indenização em dinheiro. Enquanto a mesma Folha defende o direito de praticar o humor contra personalidades, ela busca calar quem a critica usando a legislação de propriedade intelectual. Trata-se de uma inaceitável censura ao direito de qualquer um criticar os erros da mídia. Uma liminar mantém o site fora do ar, mas todos os detalhes da história podem ser conhecidos em http://www.desculpeanossafalha.com.br.

Também no Brasil o site do Centro de Mídia Independente (CMI), que faz parte da rede global Indymedia, está sendo censurado por decisão judicial que afeta provedoras de Internet. A razão da censura é uma ação legal contra um artigo publicado no site. Acontece que, em nenhum momento, nenhuma das partes envolvidas na ação ou nem mesmo a Justiça procurou contatar o CMI para retirar tal artigo. A Justiça preferiu pedir para provedoras de Internet que não são responsáveis pelo site que tornassem inacessível o artigo e, desta forma, tais provedoras bloquearam o acesso completo ao CMI desde abril de 2010.

Wikileaks, FALHA de S. Paulo e CMI são vítimas dos mesmos algozes: pseudoarautos da liberdade que não suportam quando ela deixa de ser retórica e ganha as ruas e a rede. São aqueles que discursam efusivamente contra mecanismos democráticos de regulação, mas praticam diretamente a coerção autoritária. Nesta hora, é preciso falar alto. Contra as tentativas de silêncio, a polifonia de vozes plurais e diversas. Contra as tiranias públicas e privadas, a insurgência da verdade e da democracia. Por isso nos manifestamos:

Pelo fim da perseguição oficial e corporativa ao Wikileaks e em apoio à divulgação das informações;

Pela retirada imediata do processo da Folha de S.Paulo contra a FALHA de S.Paulo;
Pelo fim da censura judicial e do bloqueio dos provedores ao CMI;
Em defesa de liberdade de expressão ampla e verdadeira, para todos os cidadãos e cidadãs.
Sincerely,

The Undersigned


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O #AI5Digital, a analogia das leis e a pedofilia: Não existe pedofilia na internet

Não existe pedofilia na internet.

Não, você não leu errado. É isto mesmo. Repito: Não existe pedofilia na internet.

O que existe na rede, porém, é a troca de fotos de pedofilia e até mesmo o aliciamento de menores, mas o crime em si de pedofilia, o abuso de menores, acontece em outro lugar. Na casa do criminoso, da vítima, na rua, em motéis baratos e coniventes e por aí vai.

O crime em si não “acontece” na rede.

Alguns podem falar “mas e o aliciamento?”, bem, de fato, acontece aliciamento de menores em chats, pelo msn e etc, mas eu me pergunto: “O problema é da internet em si ou dos pais que dão liberdade irrestrita aos seus filhos menores?”.

Pessoalmente acredito que o problema não esteja na internet, mas nos pais.

Você deixa seu filho de 10 anos andar sozinho nas ruas? Pegar um ônibus, ir ao shopping sozinho? Se sim, você é um péssimo pai/mãe. Mas imagino que a franca maioria diria “não”. Pois bem, então porque você deixa seu filho só navegando pela internet?

Não há problema algum, em tese, de sue filho andar só nas ruas, o problema na verdade é para onde ele pode ir ou quem pode passar por ali na hora. E o mesmo vale para a internet. O problema não é a navegação sem controle dos pais, mas a possibilidade de que seu filho vá onde não deve (site de sexo, por exemplo) ou que seja “visitado” por alguém com péssimas intenções.

Mas, engraçado, nunca vi a tentativa de se criminalizar o ato de andar na rua, da mesma forma que não é crime para um pai ou mãe deixar seu filho andar só. A responsabilidade nesses casos é dos pais e, caso aconteça, da polícia ir atrás.

Então porque querem criminalizar o mero ato de navegar na internet? Sim, pois é isto que prega a Lei Azeredo, que chamamos de AI5Digital. A criminalização do mero ato de navegar com a desculpa de proteger as crianças – e proteger bancos, financeiras e etc.

Com o AI5Digital seremos forçados a ter cadastros para acessar a rede, como se precisássemos mostrar nossa identidade a um guarda sempre que saíssemos de casa. Teríamos nossos registros gravados por meses à fio, nas mãos de provedores, como se fôssemos bisbilhotados por um big brother sempre que saíssemos de casa pra ir à padaria.

A pedofilia, o crime, não acontece na rede, mas fora dela. Esta apenas serve para propagá-la, como o telefone permitia conversar com o mundo, mas não era considerado arma do crime quando pedófilos se comunicavam através dele e criavam códigos para trocar suas fotos e vídeos.

Um crime abominável não pode ser enfrentado através da privação de direitos de uma maioria, através da quebra de privacidade generalizada. E, convenhamos, sabemos que a real intenção de controlara rede não é a de combater crimes, mas a de controlar a forma pela qual o cidadão pensa. A intenção é impedir a troca de informação e conhecimentos, a de vigiar os passos de todos, como um big brother moderno.

O crime, pedofilia, deve ser combatido com toda a força, mas onde e quando ele acontece, dentro da lei, e não através da privação de direitos. Não se garantem direitos de uns privando o de outros que não cometeram crime algum.

A pedofilia acontecia antes da internet, antes do telefone. Os criminosos apenas acharam uma nova forma de se manter em contato, de trocar informações, de aliciar. Mas o crime é o mesmo ha séculos, quiçá milênios e pode, e deve, ser combatido como sempre foi: Com o rigor da lei. Mas estas leis já existem.

Da mesma forma, criar um perfil falso e difamatório se enquadra como falsidade ideológica e também em outros crimes, não precisamos de lei específica para a rede, ou seja, não precisamos criar uma legislação específica na rede para o que já existe. Quem cria perfil falso para humilhar o dono do nome verdadeiro, por exemplo, já comete um crime pela legislação atual, não precisamos criar nenhuma nova lei para isto, no máximo ensinar à advogados e juízes a forma correta de agir.

Vejam o absurdo proposto pela Lei Azeredo: Imagine que você está indo comprar um livro na livraria perto de casa – o mesmo que entrar em um site e comprar este mesmo livro sem sair da sala de casa. Você seria observado o caminho inteiro por câmeras, que gravariam todos os seus passos – se falou com alguém, se olhou pra alguém, o caminho que fez – que gravariam tudo que você estivesse falando com outra pessoa.

O livro que você comprou seria gravado – quem sabe você não é um terrorista e aquele livro de receitas de bolo te ensinaria a criar uma bomba? – e cada movimento seu seria guardado.

Um pensamento agradável, não? Pois é exatamente isto que querem fazer com a internet. Seus acessos seriam gravados – e pior, sequer seria pelo governo, mas por um provedor, com regras de segurança ainda mais frouxas – e todos os seus passos monitorados.

Oras, imagine que você está conversando na rua com um amigo, aceitarias que esta conversa fosse gravada e guardada? Não? Então porque aceitar a mesma coisa na internet, que sua conversa via MSN seja gravada por algum provedor?

Pegaríamos alguns bandidos? Claro, mas também estaríamos abrindo mão de nossa liberdade e privacidade e permitindo que cada passo de nossas vidas sejam monitoradas e verificadas por terceiros.

Da mesma forma que só podem entrar na minha casa com um mandado ou ouvir minhas conversas telefônicas com algo semelhante, também só deveriam poder entrar no meu computador, verificar meus acessos ou ler/ouvir minhas conversas por skype ou msn com um mandado semelhante. E tudo isto com a presunção de um crime.

Aliás, o caso dos bancos é interessante. Bancos são invadidos, cofres são arrombados e grana é roubada a todo tempo. Mas alguns vigilantes acreditam que estes crimes são exclusivos da internet. Roubar senhas e números de cartão de crédito por e-mail é o mesmo que um canalha colocar um aparelho nos caixas eletrônicos e fazer o mesmo, e nem por isto existe lei que nos obrigue a ser monitorados 24 horas por dia em todos os nossos passos. Porque então propor algo assim para a internet?

Porque podemos ou devemos abrir mão da privacidade de nossos dados na internet como se estes fossem diferentes do nosso sigilo telefônico ou fiscal?

Tudo isto, meus caros, ouvir conversas e ter acesso aos dados já é uma realidade. Mas precisa ser feito com mandado, com a presunção de que há de fato um crime acontecendo, com a permissão de um juiz e não simplesmente com a mera vontade de A ou B. Tem de ser feito através de meios legais que garantam a privacidade e a segurança do cidadão.

Mas a Lei Azeredo passa por cima disto tudo, torna a internet algo totalmente desconectado da realidade – como se um plano alternativo e não apenas uma extensão de nossas vidas – e passível de ser controlada, de ser invadida.

A Lei Azeredo propõe que todos sejam tratados como culpados até que provem o contrário, desobriga a necessidade de mandado para que governo e autoridades invadam minha privacidade e acessem meus dados.

Vamos permitir que isto aconteça?

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Como bem lembrou o amigo @Diego_Calazans, “pedofilia não é crime, é doença. o crime é o abuso ou exploração sexual de crianças ou adolescentes”. Fato. Minha intenção, porém, foi a de usar o nome mais comum que, por vezes, se confunde com o crime em si. Mesmo termo usado pelos vigilantes e pela direita em geral para confundir e enganar.

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